por_Eduardo Fradkin • do_Rio
O setor cultural brasileiro vai consolidando seu renascimento, algo que se concretizou num documento simbólico lançado em maio pelo Ministério da Cultura (MinC): a publicação das 30 propostas de políticas públicas aprovadas na 4ª Conferência Nacional de Cultura (CNC), realizada no início de março. As propostas, agora, passam a embasar o novo Plano Nacional de Cultura (PNC) e precisam ser postas em prática pelo governo nos próximos 10 anos. O setor da música teve alguns planos, apresentados pelas delegações enviadas pelos estados, contemplados no documento. Ele pode ser lido na íntegra neste link.
A gente conseguiu algo muito importante, que é o imposto zero para a importação de partituras, de livros, de instrumentos musicais.”
Eric Herrero, presidente do Conselho Estadual de Política Cultural do RJUma importante conquista em Brasília foi o compromisso assumido pelo governo de criar a Agência Nacional da Música ("autarquia federal dedicada exclusivamente ao tratamento das questões do setor musical", segundo consta no documento) e o Fundo Nacional da Música, independente do Fundo Nacional de Cultura. Não foram definidos, porém, prazos nem orçamentos para ambos.
"Agora, começa um segundo trabalho, o de articulação política, para que isso comece a ser elaborado em minúcias. E também um trabalho político quanto ao legislativo brasileiro, para que muitas das ações ali constantes possam virar, por exemplo, projetos de lei", descreve Eric Herrero, presidente do Conselho Estadual de Política Cultural do Rio de Janeiro, diretor artístico do Teatro Municipal carioca e membro da delegação fluminense na Conferência, que reuniu representantes de todos os estados.
Uma das reivindicações que podem ser atendidas por meio dessa nova agência e desse fundo é a concessão de incentivos à música de concerto e aos espetáculos de balé e ópera, que, segundo defendem seus porta-vozes, precisam ser vistos como atividades econômicas semelhantes a uma indústria.
"Se nós tivermos mais incentivos, tais como o carnaval tem, poderíamos gerar ainda mais empregos e impactar ainda mais positivamente a economia criativa do que já fazemos. O carnaval faz isso muito bem. Quando a gente programa uma ópera ou um balé, além de manter um teatro aberto, e, no Municipal do Rio, são 540 famílias que dependem diretamente do teatro em funcionamento, são gerados empregos de cabeleireiros, maquiadores, maquinistas, iluminadores, figurinistas, diretores etc. É preciso comprar madeira, ferro, zíper, botão, tinta etc. Então, todo o comércio local é aquecido. O transporte público também sofre um impacto positivo, e tudo isso volta em impostos para a sociedade, para a cidade e para o Estado", descreve o especialista em políticas públicas para a cultura.
No documento do MinC, consta uma moção — proposta pelos delegados Glacimere Britto de Oliveira Pimenta e Nicolas David Gonzalez — para que a ministra Margareth Menezes receba uma comissão desse segmento, que se articulou e criou o Fórum Brasileiro de Ópera, Dança e Música de Concerto, em 2020.
ISENÇÃO PARA INSTRUMENTOS
Durante o evento em Brasília, houve casos de propostas idênticas feitas por delegados de estados diferentes. Uma das 30 aprovadas — protocolada tanto por Herrero quanto por um delegado do Paraná, Nicolas David Gonzalez — prevê a isenção de impostos para a importação de materiais relacionados à música.
No texto publicado pelo MinC, consta que haverá "isenção fiscal para aquisição de material para execução, aprimoramento, preservação, conservação e restauro, estudo, seja de natureza física ou digital, aparelhos/maquinaria tecnológica ou instrumentos que provenham do exterior, como partituras, livros, maquinaria, matérias-primas, instrumentos musicais e outros, desde que não haja similares nacionais, de modo a democratizar o acesso a estes e desenvolvendo o setor e o fazedor de cultura em toda a sua potencialidade".
Na própria casa onde trabalha Herrero, o Teatro Municipal do RJ, a grande maioria dos membros da orquestra sinfônica usa instrumentos próprios. A isenção fiscal poderá beneficiar não só esses profissionais como centenas de milhares de músicos, incluindo os amadores, em todo o país.
"A gente conseguiu algo muito importante, que é o imposto zero para a importação de partituras, de livros, de instrumentos musicais e de materiais como, por exemplo, o encordamento, as sapatilhas para bailarinos, enfim, tudo o que for necessário para a formação do músico e do artista", enumera.
Um exemplo citado pelo autor da proposta é o das orquestras sociais. "Nós não podemos continuar obrigando esses jovens, que são de comunidades (carentes), a ter instrumentos ruins por conta de uma taxa de importação tão alta. Isso os atrapalha pedagogicamente, artisticamente, e faz com que a orquestra como um todo não possa se desenvolver a um nível semiprofissional ou profissional. Não podemos obrigar pessoas de baixa renda a pagar um imposto absurdo sobre partituras ou literatura que seja relacionada à sua formação", explica ele, acrescentando que softwares de editoração de partituras e de edição de áudio também foram abarcados no debate.
A próxima etapa é a regulamentação dessa proposta, na qual serão definidos os critérios em que se enquadrarão os materiais isentos de taxação. Um ponto que promete ser polêmico é o requisito de não haver instrumentos "similares nacionais", pois, se a ideia é baratear o acesso a instrumentos estrangeiros de maior qualidade, um exemplar brasileiro inferior não poderia ser considerado similar. Os parâmetros de qualidade, no entanto, devem gerar discussão e possíveis reclamações de empresários.
POLÍTICA COESA NACIONALMENTE
O coordenador do escritório estadual do Ministério da Cultura no Rio de Janeiro, Eduardo Nascimento, enfatiza a importância de se pensar a cultura em âmbito nacional e lembra que um marco foi estabelecido no dia 4 de abril, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou o Sistema Nacional de Cultura:
A ministra Margareth Menezes com participantes de Minas Gerais
"Para que as políticas de investimento não sejam voltadas para os objetos de gosto pessoal de um ou outro governante, é preciso ter um plano nacional e processos participativos. Então, por exemplo, os municípios que aderiram à (lei) Paulo Gustavo e à PNAB (Política Nacional Aldir Blanc) se comprometeram a estabelecer o sistema (nacional) nas suas localidades.”
Nascimento chama atenção para a necessidade de se fiscalizar a aplicação dos recursos oriundos dessas duas leis federais de incentivo, a Paulo Gustavo e a Política Nacional Aldir Blanc: "O setor da música precisa saber que nós temos R$ 3 bilhões em investimento da Lei Paulo Gustavo e mais R$ 3 bilhões da Política Nacional Aldir Blanc. Então, é importante o setor fazer valer a execução da lei nos 27 estados e nos 5 mil municípios. Não podemos fazer um gol contra de não executar na totalidade os recursos disponibilizados.”
Ele garante que boas notícias virão no segundo semestre, com o lançamento da Política Nacional da Economia Criativa, que terá ações voltadas para a música. Quais serão elas?
"Eu não posso dar esse spoiler ainda. Se não, o meu chefe puxa a minha orelha", ri, concluindo.